SP tem um caso de estupro de vulnerável por hora; estados registram aumento
O estado de São Paulo registrou 7,5 mil boletins de ocorrência de estupro de vulnerável de 1º de janeiro até outubro de 2019. Foram quase 25 casos por dia, ou um por hora. Nos últimos dois anos, houve um aumento de 7% no número de casos, nas formas consumada ou tentada — em 2017, foram cerca de 7 mil notificações, ou uma média de 19 por dia. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.
Estupro de vulnerável é o crime de prática de ato libidinoso ou sexo com menor de 14 anos ou ainda com alguém que não tem discernimento e não consegue oferecer resistência — como em casos de embriaguez ou enfermidade ou ainda se a mulher estiver dormindo. A pena vai de 8 a 15 anos de prisão.
Universa solicitou o número de notificações de estupro de vulnerável entre os anos de 2017 e 2019 para as secretarias de Segurança Pública dos dez estados mais populosos do Brasil, segundo o IBGE.
Oito deles atenderam de forma padronizada. Nas ocorrências do ano passado, o Paraná aparece logo atrás de São Paulo no ranking de casos de estupro de vulnerável registrados: foram 4.151 notificações até outubro. Depois vem Minas Gerais, com 2.933 (até outubro); Rio Grande do Sul, com 2.464 (até novembro); Pará, com 2.301 (até novembro); Rio de Janeiro, com 1.807 (até junho); Bahia, com 1.543 (até setembro), e Ceará, com 1.229 (até outubro).
Menores até 11 anos são principais vítimas
Em todos esses estados, crianças de zero a 11 anos são as mais atingidas. Esse público é mesmo a maior vítima do crime no país. Em 2018, o Brasil registrou 66.041 casos de violência sexual, o maior já contabilizado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no ano passado. Desse total, 53,85% tinham até 13 anos: quatro meninas com até essa idade foram estupradas por hora no país.
A última edição da pesquisa "Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil", também do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostrou ainda que 76,4% das mulheres que sofreram violência no último ano conheciam seus agressores.
Números podem ser maiores
Os dados podem ser ainda maiores, uma vez que os registros são subnotificados. Em muitos casos, quando a denúncia acaba sendo feita na delegacia, o crime já vinha ocorrendo há um tempo, conforme atenta a coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Martins.
Segundo ela, o fato de a maioria desses crimes ser cometida por parentes dificulta mais ainda o acesso aos canais de denúncia, seja por causa da idade da vítima ou mesmo por ela nem ao menos saber que está sofrendo violência.
"Parece clichê, mas é um tema que tem que ser falado nas escolas, porque a delegacia não será o primeiro lugar que a criança vai procurar. Os profissionais da educação precisam ser capacitados para identificar se o aluno apresenta uma mudança de comportamento, assim como os da saúde. É uma violência que tem que ser combatida por uma rede", avalia a especialista.
A delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das DDMs (Delegacia da Mulher) de São Paulo, endossa. Ela admite que a maior dificuldade no enfrentamento a esse crime é justamente pelo fato de a maioria dos casos ocorrer dentro de casa.
Além de educação nas escolas, ela aponta ser papel da polícia também mostrar às vítimas os canais de ajuda, como o Conselho Tutelar e Defensoria Pública. Jamila afirma que a polícia de São Paulo é orientada a informar sobre as possibilidades de ajuda que elas têm, de serviços de saúde ou abrigos.
Sobre o aumento nos números desse tipo de crime especificamente, Jamila fala da coragem das mulheres em denunciar mais, além das notificações das instituições de saúde.
"Esse aumento não significa que são mais pessoas vulneráveis sendo estupradas. Na verdade, são mais pessoas vulneráveis que estão tendo maior olhar. Por exemplo: o serviço de Saúde é obrigado a fazer a notificação compulsória para a Secretaria de Segurança Pública se a paciente menor de 18 anos entrou com com sinais de violência, não importa qual. Os serviços são integrados nesse sentido", ela explica. E lembra: qualquer pessoa pode fazer uma denúncia.
É preciso acabar com a cultura machista
Um dos trabalhos da Childhood Brasil é justamente atuar na integração de serviços públicos como Saúde, Segurança e Conselho Tutelar, capacitando servidores para o atendimento às vítimas e também na coleta de dados sobre o crime. Itamar Gonçalves, gerente de programas da instituição, avalia que essa integração ajuda a criar políticas de prevenção, entre elas combater o machismo.
"A maioria das vítimas desse crime é mulher. Temos aí uma questão de gênero colocada, uma cultura machista, patriarcalista em que frases como 'segure suas cabras que meu bode está solto' ainda predominam. Por isso, é preciso se criar políticas de prevenção para chegar a esse público", afirma.
Na falta de uma política eficaz e de espaços integrados, o papel da sociedade é cobrar o poder público, principalmente em ano de eleição. E buscar também informações que ajudem a atender vítimas, mesmo que seja para dar algum telefone de denúncia. É o que defende Julia Gomenes, da União de Mulheres de São Paulo e mestranda em Ciência Política, Promotora Legal Popular na USP.
"Quando se tem equipamento sendo fechado por falta de recurso, isso é uma decisão política, porque é o legislativo que aprova o orçamento e não coloca essa questão como prioridade", afirma. "Também podemos buscar onde tem serviços como aborto legal e de escuta ativa, para indicar às mulheres em situação de violência, porque muitas ainda têm dificuldade em reconhecer o que está acontecendo com elas, e pessoas capacitadas certamente vão saber orientar e ajudar."
O que dizem os estados
Universa procurou todos as secretarias de Segurança para analisar os dados. A maioria não respondeu até o fechamento desta edição, mas o canal continua aberto.
Por nota, a Secretaria de Estado da Polícia Militar do Rio de Janeiro informa que a corporação atua ostensivamente contra ações de criminosos, com base nas análises criminais e informações dos setores de Inteligência, fala que tem Patrulhamento Motorizado Especial Escolar (Pamesp Escolar), e ressalta ser fundamental que a população procure delegacias para ajudar nas investigações, ou ainda acione a Central 190 e o Disque-Denúncia: (21) 2253-1177.
Também por nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informa que atua por meio da Diretoria de Prevenção, promovendo a integração entre os órgãos de segurança pública nos âmbitos federal, estaduais e municipais que operam em políticas sociais e nas ações de combate a todo tipo de criminalidade. Pelo fato de o estupro de vulnerável ocorrer em sua grande maioria dentro da casa da vítima, atenta a nota, há um obstáculo para se chegar até os acusados. A instituição também reforça a importância da denúncia, ainda que anônima, para o Disque-Denúncia 181.
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais também revela dificuldade em combater o crime por ele acontecer, em muitas ocasiões, dentro de casa ou do ambiente doméstico, e afirma que incentiva a denúncia e o registro a esse tipo de crime por meio de campanhas.
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